A
desgraça traz a sorte ao seu lado, atrás da sorte a desgraça se
esconde.
Quem
sabe como isso acabará? Não há certezas.
Dao De
Jing 58
Os daoístas contam
a história de um criador de cavalos dono do animal mais belo da
região. Um dia seu favorito fugiu, e seus vizinhos foram consolá-lo.
“Que nada! Ninguém sabe onde isso vai dar!”, foi sua resposta.
Os vizinhos, intrigados, foram embora. Poucos dias depois o cavalo voltou acompanhado de vários cavalos selvagens, um mais belo que o
outro. Os vizinhos foram parabenizá-lo. “Nada! Quem sabe no que
isso pode dar?” Os vizinhos se entreolharam. Seu filho mais velho,
ao tentar adestrar um dos garanhões, foi derrubado e ficou
gravemente ferido. Os vizinhos novamente foram oferecer seus pêsames.
“Que isso! Não sabemos onde isso vai parar!” Os vizinhos deram
de ombros. Logo depois uma guerra começou e os primogênitos de cada
família foram chamados a lutar. O filho do criador de
cavalos já se recuperava, mas ainda não estava em condições de
combater, por isso foi poupado. Seus vizinhos foram outra vez dar-lhe
os parabéns. “Que nada! Não se sabe o dia de amanhã”. Os
vizinhos começaram a entender...
Não há nada que o
tempo não resolva. Ainda que seja claro como água que Haddad é
mais inteligente e preparado, e tem melhor caráter que Bolsonaro,
devemos estar preparados para o pior. Escrevo este texto para me
consolar caso o pior aconteça, e para tentar consolar os que
precisarem de consolo, que serão muitos.
Se Haddad ganhar,
dificilmente conseguirá repetir o êxito que Lula teve antes da recessão global pós-2008 (evidências de que a recessão ainda não acabou aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). E mesmo com o êxito de Lula, a grande
mídia mostrou apenas os seus erros, denúncias forjadas, exageros,
insinuações, intrigas e meias-verdades. Não apenas os analfabetos
funcionais, mas também a classe média e os ricos que se dizem letrados, são escravos
dessa mídia. Quando alguns erros de Dilma, associados a uma economia
global estagnada e a um Congresso que engessou seu governo, iniciaram a crise brasileira de 2014/2015, essa
crise foi intensificada por especuladores financeiros, pela Lava-Jato fechando empresas de grande porte por um tempo inaceitável, e pela
própria mídia, que viu na ocasião a oportunidade que esperava de tirar o PT do poder a qualquer preço. E tirou. Não só tirou, como
alimentou com seu mantra “só o PT é corrupto” uma onda
reacionária que hoje nos coloca à beira do abismo, em todos os
sentidos. Quem imaginaria Reinaldo Azevedo lutando contra a direita
que sempre o alimentou, vestiu e acalentou?
As pessoas sensatas
– aquelas que não fogem de argumentos e investigam o que leem e
escutam – estão muito preocupadas com a possível posse de
Bolsonaro. Não é só o seu projeto neoliberal, não é só o seu
machismo, racismo, homofobia, defesa de torturadores, proibição de pílulas do dia seguinte para mulheres estupradas... É também a
privatização de universidades públicas, a perseguição a quem
pensa diferente, a entrega de patrimônios públicos para os vampiros
do sistema financeiro, a destruição do meio ambiente para o enriquecimento do agronegócio... E, na pior das hipóteses, a sua morte súbita
e substituição por alguém mais, digamos, preparado, que faça com
critério e precisão cirúrgica o que ele conseguiria fazer apenas
com o frenesi juvenil típico de seus discursos dementes.
Mas e se Haddad
ganhar? Podemos mesmo confiar que o sistema que deu o golpe
travestido de “impeachment”, “com o supremo, com tudo”, vá
deixar barato? É concebível que, depois de tudo que arriscaram até
aqui, com as parcialidades grotescas de membros do STJ, com o apoio
completo da mídia, ameaças de militares e financiamento externo,
simplesmente deixem a democracia voltar a quem é de direito: o povo?
Ou, como parece mais provável, o risco do derradeiro golpe é ainda
maior no caso da eleição do PT? Ou, caso este golpe não se
concretize, qual seria o resultado dos fascistas – que agora saíram
do armário em maior número que os gays – acumulando rancor e ódio
por mais quatro anos, ou oito? E com a mídia novamente escondendo,
deturpando, mentindo, fazendo as massas acreditarem que não houve
avanços, onde houve?
Talvez, e eu disse
TALVEZ, o melhor remédio para o Brasil seja mesmo cair nas mãos de
um incompetente neoliberal, para nos devolver aos tempos da fome,
para repetir a crise da Argentina de Macri, para que essa nova geração,
dotada de meios de comunicação que não tínhamos nos anos 1980 e
1990, possa mostrar ao mundo, e a si mesma, os efeitos nefastos de
uma política que favorece apenas quem já está por cima. E aí sim,
a esquerda poderá voltar com mais força, como Fênix das cinzas,
para unir um povo melhor informado ao redor de um projeto de país
inclusivo, responsável e justo.
Mas só o tempo
dirá. Não nos desesperemos.
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