quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Haddad é bem melhor que Bolsonaro, mas...

A desgraça traz a sorte ao seu lado, atrás da sorte a desgraça se esconde.
Quem sabe como isso acabará? Não há certezas.
Dao De Jing 58

Os daoístas contam a história de um criador de cavalos dono do animal mais belo da região. Um dia seu favorito fugiu, e seus vizinhos foram consolá-lo. “Que nada! Ninguém sabe onde isso vai dar!”, foi sua resposta. Os vizinhos, intrigados, foram embora. Poucos dias depois o cavalo voltou acompanhado de vários cavalos selvagens, um mais belo que o outro. Os vizinhos foram parabenizá-lo. “Nada! Quem sabe no que isso pode dar?” Os vizinhos se entreolharam. Seu filho mais velho, ao tentar adestrar um dos garanhões, foi derrubado e ficou gravemente ferido. Os vizinhos novamente foram oferecer seus pêsames. “Que isso! Não sabemos onde isso vai parar!” Os vizinhos deram de ombros. Logo depois uma guerra começou e os primogênitos de cada família foram chamados a lutar. O filho do criador de cavalos já se recuperava, mas ainda não estava em condições de combater, por isso foi poupado. Seus vizinhos foram outra vez dar-lhe os parabéns. “Que nada! Não se sabe o dia de amanhã”. Os vizinhos começaram a entender...


Não há nada que o tempo não resolva. Ainda que seja claro como água que Haddad é mais inteligente e preparado, e tem melhor caráter que Bolsonaro, devemos estar preparados para o pior. Escrevo este texto para me consolar caso o pior aconteça, e para tentar consolar os que precisarem de consolo, que serão muitos.

Se Haddad ganhar, dificilmente conseguirá repetir o êxito que Lula teve antes da recessão global pós-2008 (evidências de que a recessão ainda não acabou aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui). E mesmo com o êxito de Lula, a grande mídia mostrou apenas os seus erros, denúncias forjadas, exageros, insinuações, intrigas e meias-verdades. Não apenas os analfabetos funcionais, mas também a classe média e os ricos que se dizem letrados, são escravos dessa mídia. Quando alguns erros de Dilma, associados a uma economia global estagnada e a um Congresso que engessou seu governo, iniciaram a crise brasileira de 2014/2015, essa crise foi intensificada por especuladores financeiros, pela Lava-Jato fechando empresas de grande porte por um tempo inaceitável, e pela própria mídia, que viu na ocasião a oportunidade que esperava de tirar o PT do poder a qualquer preço. E tirou. Não só tirou, como alimentou com seu mantra “só o PT é corrupto” uma onda reacionária que hoje nos coloca à beira do abismo, em todos os sentidos. Quem imaginaria Reinaldo Azevedo lutando contra a direita que sempre o alimentou, vestiu e acalentou?

As pessoas sensatas – aquelas que não fogem de argumentos e investigam o que leem e escutam – estão muito preocupadas com a possível posse de Bolsonaro. Não é só o seu projeto neoliberal, não é só o seu machismo, racismo, homofobia, defesa de torturadores, proibição de pílulas do dia seguinte para mulheres estupradas... É também a privatização de universidades públicas, a perseguição a quem pensa diferente, a entrega de patrimônios públicos para os vampiros do sistema financeiro, a destruição do meio ambiente para o enriquecimento do agronegócio... E, na pior das hipóteses, a sua morte súbita e substituição por alguém mais, digamos, preparado, que faça com critério e precisão cirúrgica o que ele conseguiria fazer apenas com o frenesi juvenil típico de seus discursos dementes.

Mas e se Haddad ganhar? Podemos mesmo confiar que o sistema que deu o golpe travestido de “impeachment”, “com o supremo, com tudo”, vá deixar barato? É concebível que, depois de tudo que arriscaram até aqui, com as parcialidades grotescas de membros do STJ, com o apoio completo da mídia, ameaças de militares e financiamento externo, simplesmente deixem a democracia voltar a quem é de direito: o povo? Ou, como parece mais provável, o risco do derradeiro golpe é ainda maior no caso da eleição do PT? Ou, caso este golpe não se concretize, qual seria o resultado dos fascistas – que agora saíram do armário em maior número que os gays – acumulando rancor e ódio por mais quatro anos, ou oito? E com a mídia novamente escondendo, deturpando, mentindo, fazendo as massas acreditarem que não houve avanços, onde houve?

Talvez, e eu disse TALVEZ, o melhor remédio para o Brasil seja mesmo cair nas mãos de um incompetente neoliberal, para nos devolver aos tempos da fome, para repetir a crise da Argentina de Macri, para que essa nova geração, dotada de meios de comunicação que não tínhamos nos anos 1980 e 1990, possa mostrar ao mundo, e a si mesma, os efeitos nefastos de uma política que favorece apenas quem já está por cima. E aí sim, a esquerda poderá voltar com mais força, como Fênix das cinzas, para unir um povo melhor informado ao redor de um projeto de país inclusivo, responsável e justo.

Mas só o tempo dirá. Não nos desesperemos.

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