quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Lin Yutang sobre o “amor ao próximo”

“O amor ao próximo não deve ser uma doutrina, um artigo de fé, um ponto de convicção intelectual ou uma tese apoiada em argumentos. O amor à humanidade que requer razões não é um verdadeiro amor. Este amor deveria ser perfeitamente natural, tão natural para o homem como é para os pássaros agitar as asas. Deveria ser um sentimento direto e brotar naturalmente de uma alma sadia que vive em contato com a natureza. Um homem que ame de verdade as árvores não pode ser cruel com os animais ou com seus semelhantes. Num espírito perfeitamente são, que adquire um critério da vida e de seus semelhantes e um conhecimento verdadeiro e profundo da natureza, a bondade é coisa natural. Essa alma não necessita de nenhuma filosofia ou religião feita pelo homem e que lhe ordene que seja boa. Como seu espírito foi devidamente nutrido através de seus sentidos, afastado da vida artificial e de doutrinas ainda mais artificiais a respeito da vida humana, pode tal homem conservar uma verdadeira saúde mental e moral.”

— Lin Yutang, A Importância de Viver, p. 134. Círculo do Livro, sem data. Tradução de Mário Quintana.

A economia mainstream destrói a saúde mental e moral sem se dar conta, e não toca no assunto.

Aliás, quantos economistas já ouviram falar em saúde moral?

sábado, 3 de dezembro de 2022

De americanos e estadunidenses

Se tem algo que fere meus tímpanos é ouvir alguém dizer “americanos” ou, ainda pior, “norte-americanos” quando querem se referir a habitantes dos Estados Unidos da América. Quase sempre que comento isso, e proponho que se use em seu lugar o termo “estadunidenses”, aparece algum defensor do ego ferido alheio para me dizer que estadunidense “não existe” ou que “só existe no Brasil” e que “não é assim que eles se chamam” bla bla bla.

O “Diccionario de la Lengua Española”, da Real Academia Española, em sua 21ª edição (e também na 23ª, de 2014), contém os dois verbetes:

estadounidense. 1. adj. Natural de los Estados Unidos de América. U. t. c. s. 2. adj. Perteneciente o relativo a este país.
estadunidense. 1. adj. Hond. y Méx. estadounidense. Apl. a pers., u. t. c. s.

O “Diccionario Básico de La Lengua Española” (Editorial Planeta-De Agostini, Barcelona, 2001), também traz:

estadounidense adj. Natural de Estados Unidos de América. Ú.t.c.s. II Perteneciente o relativo a este país.

O “Diccionario de la Lengua Española”, da Editora Espasa (Barcelona, 2012), registra:

estadounidense adj. y com. De Estados Unidos o relativo a este país federal norteamericano.

Além desses, vários dicionários espanhóis online (como spanishdict.com, collinsdictionary.com, wordreference.com, rae.es, diccionarios.com, deepl.com, bing.com) trazem pelo menos a forma estadounidense, e às vezes também estadunidense (preferido em Honduras e México).

Na página da Wikipedia sobre os EUA (https://es.wikipedia.org/wiki/Estados_Unidos), o gentílico (gentilicio) estadounidense tem prioridade sobre norteamericano ou americano. Até sua moeda é chamada apenas de “dólar estadounidense”. Outras páginas repetem o uso do termo, como https://es.wikipedia.org/wiki/Nacionalidad_estadounidense.

Como podemos ver, nossos hermanos do continente americano há tempos compreendem que os habitantes dos Estados Unidos da América não têm o direito de arrogarem para si o gentílico de todo o continente. Apenas no Brasil permanece essa triste e colonizada teimosia de tratar os imperialistas do norte como se “nos representassem”, ou coisa parecida. Ora, os alemães chamam a si próprios de Deutschen, Deutsche ou Deutsch; por que então não os chamamos também de dótchi? Os chineses se referem a si como 中国人, ou zhōngguórén; por que não os chamamos de djonguorjen? Sequer sua capital, Beijing, escrevemos corretamente, teimando em usar o anglófono Peking, abandonado pelos chineses há mais de 60 anos!

Em suma, trata-se do mais abjeto e covarde viralatismo, que abana o rabo pros imperialistas ianques, enquanto trata os demais povos do planeta como os ianques esperam que os tratemos. Quando é que os brasileiros—incluindo muitos acadêmicos que se dizem progressistas—abandonarão este hábito e passarão a usar, sem medo, o inambíguo e já consagrado gentílico “estadunidense”?

domingo, 9 de outubro de 2022

Monoteísmo, o “paladar infantil” extendido

O monoteísmo é uma “síndrome do paladar infantil” ampliada.

Quando uma criança diz “eu sei o que é bom, sei do que gosto e do que não gosto, por isso não quero nem experimentar isto”, estamos diante dessa síndrome.

Quando uma criança a pratica, é triste. Quando um adulto a pratica, é doentio.

Quando um adulto a pratica em todos os níveis além do paladar, quando se acha sabedor de “tudo o que interessa” a ponto de desprezar ciências e filosofias, mitologias e outros pontos de vista, aí a inteligência que define a espécie humana morreu.

Via de regra, só monoteístas agem assim, e agem sempre assim. Por isso o monoteísmo é uma catástrofe civilizacional.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Monoteísmo é mitologia também

O monoteísmo finge ser a “única verdade do universo”, numa agressão à diversidade cultural e mitológica do planeta. São tão mitologia quanto as outras mitologias, e precisam entender isso. Não é o “ateísmo” que vai resolver, mas o entendimento do que é e como funciona uma mitologia. É sobre conhecer, não sobre acreditar. Fé cega é pleonasmo. Re-ligare (religião) é pra quem caiu no conto do vigário de que teríamos nos “desligado”. Não nos desligamos. O paraíso é aqui, e ninguém vai ganhar “outra Terra” por obedecer algum espertalhão.

domingo, 2 de outubro de 2022

De novo Adam Smith, esse “comunista” incorrigível…

“Na época específica em que se fizeram essas descobertas [Américas e caminho para as ‘Índias Orientais’ pelo cabo da Boa Esperança], a superioridade de força era tão grande, favorecendo os europeus, que lhes facultou praticar com impunidade toda sorte de injustiças nesses países remotos. Doravante, talvez os nativos desses países possam fortalecer-se, ou os da Europa se enfraquecer, e talvez os habitantes de todas as diferentes regiões do mundo possam chegar à igualdade de coragem e força que, por inspirar um temor mútuo, é a única coisa capaz de intimidar a injustiça dos países independentes, levando-os a ter um pouco de respeito pelos direitos uns dos outros.”

— Adam Smith (1961, v. II, p. 141) apud Giovanni Arrighi. 1994? O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Introdução.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A “mão invisível” de Adam Smith não era tão invisível assim

Se alguém na história das ciências econômicas defendeu o “Estado Mínimo”, pelo visto não foi Adam Smith:

“O interesse dos negociantes, em qualquer ramo específico de comércio ou de manufatura, sempre difere sob algum aspecto do interesse público, e até se lhe opõe. O interesse dos empresários é sempre ampliar o mercado e limitar a concorrência. Ampliar o mercado muitas vezes pode ser benéfico para o interesse público, mas limitar a concorrência sempre contraria necessariamente ao interesse público, e só pode servir para possibilitar aos negociantes, pelo aumento de seus lucros acima do que seria natural, cobrar, em seu próprio benefício, uma taxa absurda dos demais concidadãos. A proposta de qualquer nova lei ou regulamento comercial que provenha de sua categoria sempre deve ser examinada com grande precaução e cautela, não devendo nunca ser adotada antes de ser longa e cuidadosamente estudada, não somente com a atenção mais escrupulosa, mas também com a maior desconfiança. É proposta que advém de uma categoria de pessoas cujo interesse jamais coincide exatamente com o do povo, as quais geralmente têm interesse em enganá-lo e mesmo oprimi-lo e que, conseqüentemente, têm em muitas oportunidades tanto iludido quanto oprimido esse povo.”

Adam Smith, A Riqueza das Nações
Vol. I, Livro Primeiro, Capítulo XI - A Renda da Terra
Final do capítulo (grifos meus)