domingo, 16 de agosto de 2020

Trecho de (tentativa de) diálogo num almoço em família

“Cada um acredita no que quer!” Ela disse.

“Não.” Respondi. “Você está errada. Não é assim que...”

“Não tem isso de estar errada! Nós só temos visões de mundo diferentes...” concluiu, com um sorriso que parecia benevolente.

“É errado causarem prejuízo a outras pessoas porque acham que têm o ‘direito de estar errados’. E vocês estão errados! Mas adoram se fingir de surdos. Vocês criticam sua mãe, mas agem igualzinho, repetindo os pensamentos errados do tio-pastor. Ah! Que preguiça falar pra quem odeia ouvir! E se não falamos, sua ‘coletividade’ termina de destruir o planeta. O que você queria que eu fizesse?” Olhei sério para ela. Sua cara misturava espanto e confusão.

“Eu não estou te entendendo.”

“Religião! Ainda. Vocês sempre disseram que não entendem o que falo, mas também nunca quiseram entender. Acham que ‘cada um acredita no que quer’ e pronto, como se isso não fosse uma programação mental pra escravizar a gente.”

“Ah, quer saber? Eu vou embora! Esse papo já cansou! Fui!!” E saiu, batendo a porta.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Um Gozo da Natureza (Lin Yutang)

Lin Yutang – A Importância de Viver
Capítulo décimo – O Gozo da Natureza
IV – Rochas e árvores

Não sei que vamos fazer agora. Estamos construindo casas quadradas, todas em fila, e temos ruas retas, sem árvores. Não há mais ruas tortas, nem casas velhas, nem poços nos jardins, e o raro jardim particular que acaso se vê nas cidades não passa de uma caricatura. Chegamos a separar a natureza de nossas vidas, e vivemos em casas sem telhados, pois o telhado é o que há de mais descuidado num edifício moderno, que é deixado de qualquer modo depois de preenchidos os requisitos utilitários, visto que o empreiteiro da construção já está cansado e com pressa de terminar o seu trabalho. O edifício comum parece uma pilha de cubos de madeira construída por um menino displicente ou caprichoso que se cansa do brinquedo antes de havê-lo terminado, e deixa sua pilha sem concluir, sem coroar. O espírito da natureza abandonou o moderno homem civilizado, e parece que procuramos civilizar também as próprias árvores. Se acaso nos lembramos de colocá-las em uma avenida, costumamos numerá-las em série, desinfetá-las, cortá-las e podá-las para que assumam uma forma que os humanos consideram suficientemente bela.