sábado, 11 de fevereiro de 2017

Bancos públicos promovem mais crescimento?


Lendo uma reportagem no Intercept Brasil, lembrei de um comentário feito há alguns anos por um colega economista no Facebook. Ele dizia que os países que mais crescem economicamente (maior aumento do PIB) geralmente têm a maioria dos bancos públicos.

Sua tese fazia sentido. Afinal, sabemos que boa parte do capital mundial é puramente especulativo, e os "magos das finanças" são especialistas em multiplicar números no computador, engordando suas contas bancárias sem nenhum retorno para a sociedade. Assim, quando deparados com a opção entre investir no crescimento do país ou em investimentos parasitários, espera-se que os bancos privados escolham o que der mais lucro.

Outros já falaram sobre isso, como o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega em 2012 e a advogada e presidente do Public Banking Institute, Ellen Brown, em 2011.

E, claro, há os que dizem o contrário, como este artigo no Journal of Finance, de 2002. Curiosamente, os autores afirmam logo no resumo que "higher government ownership of banks in 1970 is associated with slower subsequent financial development and lower growth of per capita income and productivity". Por que usam dados defasados em 32 anos para defender sua tese ainda é um mistério para mim.

Mas os números confirmam essa tese, ou teoria, ou hipótese?

Em primeiro lugar, vamos ao poder econômico das grandes nações. Antigamente, o G7 era o grupo das economias que dominavam o planeta: Estados Unidos, Japão, Inglaterra, Alemanha, França, Canadá e Itália. Em 2014, porém, um novo G7 surgiu: China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia. Em termos de Paridade do Poder de Compra (que mede não o dinheiro no país, mas o que ele pode comprar), o novo G7 ganharia do anterior por 37,8 a 34,5 trilhões de dólares.

Uma pesquisa de 2013 reuniu alguns dados básicos sobre os bancos de 143 países. Quantos % dos bancos são públicos em cada um desses países? No antigo G7 temos: Estados Unidos (0%), Japão (sem dados), Inglaterra (26%), Alemanha (32%), França (2%), Canadá (0%) e Itália (0,1%). No novo G7 temos: China (sem dados), Índia (74%), Brasil (44%), Rússia (41%), México (13%), Indonésia (38%) e Turquia (32%). Acho que não é preciso calcular a média para ver a diferença. Mas para os perfeccionistas de plantão: antigo G7 média de 10,02%, novo G7 média de 40,33%. (PS extraído da pesquisa, página 7: "China did not respond to this question, but available information indicates the figure exceeds 90 percent. In the 2007 survey China did respond and reported the share was slightly less than 70 percent, but this only captured the four big state owned banks. The figure exceeds 90 percent even earlier if one includes all state or government owned banks".)

O gráfico a seguir, com dados do Banco Mundial, mostra o crescimento (e decrescimento) de alguns desses países entre 1960 e 2014:


Vemos os EUA, que em 1960 detinham 40% do PIB mundial, caírem para 22% em 2014. A China cresceu de menos de 2% para cerca de 13% em 20 anos, enquanto as nações do antigo G7 mostraram quedas consideráveis, especialmente o Japão, que caiu de 17,5% para 6% nos mesmos 20 anos. Alemanha, França e Grã-Bretanha também apresentaram queda, embora menos drástica. Já o Brasil apresentou um crescimento espetacular nos últimos anos, de cerca de 1,5% do PIB mundial em 2003 para 3,5% em 2011. A queda posterior, de 3,5% para 3,0% entre 2011 e 2014, foi muito menor que a "quebra do país" alardeada pela grande imprensa, principalmente quando comparada com o segundo mandato do "príncipe da privataria" Fernando Henrique Cardoso (1998-2002).

Mas esses dados ainda não são o bastante para testarmos nossa hipótese de que uma maioria de bancos públicos são saudáveis para o crescimento dos países. O gráfico abaixo relaciona todos os países para os quais temos dados, unindo a pesquisa de 2013 citada acima (com dados de 2011) com os dados sobre crescimento do Banco Mundial (para todos os anos entre 1961 e 2015). Como não entendemos exatamente como se dá a relação entre a propriedade dos bancos e o crescimento, usamos os dados de crescimento de 2008 a 2013, cruzando-os sempre com os dados bancários de 2011.

2008





A diferença entre os gráficos acima é que na esquerda estão presentes todos os países com dados disponíveis, enquanto na direita foi retirado o Zimbabwe, que apresentou um decréscimo atípico (o chamado outlier). Nos dois casos a relação positiva (quanto maior a % de bancos públicos, maior o crescimento do PIB) foi significativa (p < 0,03, ou seja, há uma chance de menos de 3% de que esses dados sejam mera coincidência -- digamos, apenas jogando números aleatoriamente numa tabela).

2009

Aqui não há outliers, e novamente se observa a relação positiva e significativa (p < 0,04) entre as variáveis estudadas. A linha de tendência, em vermelho, corta o eixo Y abaixo do zero (como pode ser visto na fórmula "+ -2,0699"), nos lembrando da quebradeira mundial que assistimos após os escândalos financeiros de 2008 (onde ninguém foi punido).

2010

Aqui o outlier no gráfico da esquerda foi Macao, com um crescimento bastante atípico. No gráfico da direita Macao foi removida. Antes da remoção, a relação era mais fraca e menos significativa (p < 0,05), após a remoção se tornou mais forte e mais significativa (p < 0,01).

2011


Com todos os países, a relação não é significativa o bastante (p > 0,10). Mas uma vez retirados os dois outliers mais evidentes, Macao com um crescimento bastante atípico, e a Grécia com um decréscimo atípico, a relação se torna outra vez bastante significativa (p < 0,02).

2012



De 2012 em diante a situação deixa de ser significativa, incluídos (p > 0,13) ou excluídos (p > 0,26) os outliers, a saber: Serra Leoa com um crescimento atípico e novamente a Grécia com decréscimo atípico.

Evidente que esses dados não encerram o assunto, há muitas outras variáveis envolvidas, e ainda não há explicação para o fato de dados bancários de 2011 se correlacionarem tão bem com dados do PIB de 2008, mas não com os de 2012. A não ser que tenha havido mais mudanças entre 2011 e 2012 do que entre 2008 e 2011, o que parece pouco provável (mas não impossível). Um estudo mais aprofundado poderia ajudar a esclarecer essas e outras questões.