sexta-feira, 19 de maio de 2017

Tentando entender o que acontece na economia brasileira


A crise que estourou em 2015 no Brasil causou, no ano seguinte, o afastamento da presidenta Dilma. A grande mídia, de forma simplista (para não dizer golpista) colocou toda a culpa sobre sua suposta má administração. Mas o que aconteceu, exatamente? Sabemos que o desemprego aumentou e que o dólar subiu. Mas o dólar também havia subido em 2002, quando Lula pela primeira vez apareceu nas pesquisas com grandes chances de ser eleito presidente, e a grande mídia fazia o terrorismo psicológico de que, se ele fosse eleito, “o país iria quebrar”. O dólar então chegou muito perto dos quatro reais (preço de compra R$3,9544 em 22/out/2002, “coincidentemente” cinco dias antes do segundo turno das eleições), e não podemos colocar a culpa “na corrupção do PT”. Em 2015 o dólar voltou à casa dos quatro reais, e nós, que sabemos o tamanho do viés da grande mídia nesse tipo de assunto, precisamos então fazer uma investigação independente, se queremos entender o que aconteceu.

Fonte: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao

Vemos que, após o Plano Real (meados de 1994), o valor do dólar foi fixado pelo Banco Central até o final de 1998, passando no início de 1999 a ser regulado pelo mercado (o chamado câmbio flutuante). Além dos picos que já citamos (2002 e 2015), houve uma leve alta durante a crise financeira de 2008 e 2009. Mas qual foi a causa da última alta, que começa a se esboçar já no final de 2014?

Lembro que, enquanto todos falavam da grande crise financeira internacional em 2008 e 2009, o então presidente Lula disse que o que chegava aqui era apenas uma “marolinha”. De fato, com incentivos fiscais para a venda de eletrodomésticos, e principalmente automóveis, nós fugimos da crise por um tempo (ao custo de abarrotar nossas ruas de carros, mas isso é outra história). Finalmente, a partir do final de 2011, o dólar não parou mais de subir. Partindo de cerca de R$1,55 (o mesmo valor antes da crise de 2008), passou a marca dos dois reais em 18/mai/2012, passou os R$2,50 (para venda) em 23/out/2014 (três dias antes do segundo turno das eleições para presidente), e a partir de então teve uma subida vertiginosa, passando de três reais em 6/mar/2015, passando de R$3,50 em 6/ago/2015, e finalmente ultrapassando os quatro reais em 22/set/2015. Na época o processo de impeachment já estava em andamento, e é preciso perguntar: o dólar subiu como resultado de más políticas por parte do governo federal, ou subiu como resultado do (ou mesmo ajuda ao) caos político instaurado então? Ou, se um pouco de cada, quanto de cada?

Um dos fatores que contribui com a variação do dólar é o comércio exterior. Nossas importações renderam menos que o valor gasto com as exportações a partir de 2008/2009 (o chamado déficit comercial), e a diferença se ampliou a partir de 2013.



Fonte: seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=12&op=0&vcodigo=ST59&t=exportacao-bens-servicos-brvalores-correntes

Mas, quando olhamos o volume das principais exportações (soja, petróleo, minério de ferro e carne bovina), vemos que não houve alteração, embora tenha havido uma queda substancial no seu valor (principalmente de petróleo e minério de ferro).


Fonte: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/base-de-dados-do-comercio-exterior-brasileiro-arquivos-para-download

Isso parece ser explicado pela queda repentina e simultânea no preço dessas commodities, como pode ser visto abaixo.

Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=global-economic-monitor-(gem)-commodities#

A variação no preço do petróleo merece uma reflexão à parte, mas as demais também pedem uma explicação. Terão sido causadas pelo esfriamento da economia global? Principalmente da economia chinesa? Ainda não sabemos. Mas podemos olhar o quadro mais de longe.

Fontes:
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360


E o mesmo gráfico, corrigindo o valor do dólar pela inflação.

Fontes:
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360

http://www.usinflationcalculator.com/inflation/consumer-price-index-and-annual-percent-changes-from-1913-to-2008/

Vemos uma alta no preço da soja e do minério de ferro de 2008 a 2014, que podem estar relacionados ao aumento da demanda (chinesa, principalmente?) ou à alta (artificial?) do dólar. A queda observada parece ter sido, portanto, um retorno à normalidade.

Se as importações se tornaram mais caras que as exportações, como evitar a alta do dólar, que passou a sair muito mais do que entrar no país? Um caminho seria usar as reservas cambiais para abastecer o mercado, outro é pedir empréstimos, aumentando a dívida pública. Pelos dados abaixo, parece evidente que o caminho tomado foi o segundo. A dívida começou a subir num ritmo acelerado no final de 2015, o que coincide com uma baixa, ainda que relativa, no valor do dólar. Contudo, a mesma estratégia não parece ter sido necessária em 2002, o que nos leva a perguntar sobre as diferenças entre as duas ocasiões.


Fonte: https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/DemonstrReservas_M.zip
Fonte: https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/seriehistDLSPBruta2007.asp - https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggp.zip


Aqui vemos uma relação inversa entre a dívida pública e o PIB: enquanto a primeira aumentou, o ritmo de crescimento do segundo caiu. Expressando a dívida como uma fração do PIB, temos o próximo gráfico.

Fonte: https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/seriehistDLSPBruta2007.asp - https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggp.zip


Embora a dívida pública tenha aumentado, como proporção do PIB, ainda podemos dizer que está em um patamar perfeitamente manejável, se a compararmos com as dívidas de outros países (exs) ou mesmo do Brasil antes e nos primeiros anos do governo Lula. Outra questão que se apresenta é: qual a mudança do PIB no período estudado?

Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD

Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD


Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.KD.ZG

O PIB diminuiu 3,8% de 2014 para 2015, e outros 3,6% de 2015 para 2016. Essa sequência de duas baixas consecutivas só foi verificada no Brasil nos anos de 1930 e 1931 (logo após a crise de 1929), quando os recuos foram de 2,1% e 3,3%, respectivamente. Interessante notar que a crise de 2008 e 2009, que afeta muitos países ainda em 2017, já foi comparada à crise de 1929, sendo considerada pior em certos aspectos. Conseguimos hoje adiar seus efeitos por mais tempo que no início do século XX?

Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD


Vemos aqui o PIB de diferentes países como parte do PIB mundial. Os países são BRA Brasil, CHN China, DEU Alemanha, FRA França, GBR Grã-Bretanha, JPN Japão e USA Estados Unidos.


Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD

Aqui o mesmo gráfico anterior, mas com o PIB per capita em relação ao PIB per capita mundial.

Vejamos outros indicadores.

Fontes:
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego dez/1991 a dez/2002 - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=FDT10&t=taxa-desemprego-aberto-pessoas-15-anos
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego, 2002/mar a 2016/jan - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=PE63&t=taxa-ocupacao


O desemprego, que havia aumentado de 5-6% para 7-8% (na antiga métrica) em 1998, vinha caindo desde 2004 até 2014 (as cores ilustram diferentes metodologias). Em 2015 deu um salto impressionante (de 4,5% para 8%), e sabemos que em 2016 aumentou ainda mais. Isso está diretamente relacionado com a queda do PIB, principalmente nos setores industrial e de serviços.

Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta

Os dados oficiais oferecem uma decomposição do setor industrial. O valor do PIB foi dividido pelo custo da Cesta Básica, como forma de remover o efeito da inflação.

Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta

Vemos que a indústria de transformação e extração mineral foram as mais afetadas, seguidas pela construção civil. A tragédia do rompimento da barragem de Bento Gonçalves, perto da cidade de Mariana em Minas Gerais, ocorrida no dia 5/nov/2015, parece explicar apenas uma pequena parte do problema.

Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta

Na área de serviços, os setores mais afetados foram o comércio, o setor imobiliário, de transportes e outros serviços. Interessante notar que o setor de intermediação financeira e seguros foi o único que cresceu durante a crise, o que leva à óbvia pergunta do seu papel na causa da mesma (principalmente considerando o peso do setor em outras crises pelo mundo, como o caso do Lehman Brothers, entre outros).

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços, Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor. - ftp://ftp.ibge.gov.br/Precos_Indices_de_Precos_ao_Consumidor/IPCA/Serie_Historica/ipca_SerieHist.zip

A inflação refletiu a crise, ultrapassando os 10% ao ano no final de 2015. Com o prolongamento da recessão, observamos depois a queda da inflação, num quadro que pode se transformar em deflação, caso a recessão se prolongue ainda por mais tempo.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços, Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor. - ftp://ftp.ibge.gov.br/Precos_Indices_de_Precos_ao_Consumidor/IPCA/Serie_Historica/ipca_SerieHist.zip

Analisando mês a mês, vemos que dois picos de inflação, no início e no fim de 2015, causaram o acúmulo observado no final do ano. Esse tipo de oscilação (inflação alta no verão e baixa no inverno) aconteceu durante todo o período analisado (desde 1996), alcançando em 2015 um nível apenas meio ponto percentual acima do que vinha sendo registrado nos últimos anos. Mas uma pequena inflação extra mensal se acumula numa inflação extra perceptível ao final de um ano.

Fonte: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp

A taxa básica de juros (SELIC), embora não tenha alcançado os valores em vigor antes de 2006, subiram o suficiente para poder responder por parte da crise, bem como pelo vigor do setor financeiro em meio à crise generalizada.

Fonte: http://radames.manosso.nom.br/palavras/politica/o-valor-real-do-salario-minimo-nos-ultimos-vinte-anos/

O salário mínimo (corrigido pelo INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor) mostra um ganho real ao longo de todo o período analisado. Porém sua variação não é a mesma durante cada governo.

R$316,19 em abr/1995 para R$448,37 em mar/2003 = R$132,18 em 96 meses = R$1,3769/mês (FHC)
R$448,37 em mar/2003 para R$756,08 em fev/2011 = R$307,71 em 96 meses = R$3,2053/mês (Lula)
R$756,08 em fev/2011 para R$883,70 em dez/2016 = R$127,62 em 71 meses = R$1,7975/mes (Dilma)

Usamos como ponto de corte o mínimo valor antes do próximo aumento nominal do salário mínimo, perto da data de posse de cada presidente. Intuitivamente, essa medida parece menos sujeita a variações aleatórias, além de que os primeiros meses de cada mandato parecem ser muito mais influenciados pela “herança” da gestão anterior do que pelas ações de cada governo.

Podemos ainda observar o poder de compra do salário mínimo em relação à cesta básica.




Fontes:
http://radames.manosso.nom.br/palavras/politica/o-valor-real-do-salario-minimo-nos-ultimos-vinte-anos/
https://www.dieese.org.br/cesta/

No segundo gráfico fica visível o efeito da inflação de 2015/2016 sobre o poder de compra dos salários.

Como começamos com a variação do dólar no Brasil, vou inserir por último um gráfico - bastante confuso - que mostra a variação do dólar em vários países, a partir de 1971. É útil para avaliar variações causadas pelo dólar em si, e não pela política e economia deste ou daquele país.

Fonte: https://www.federalreserve.gov/releases/H10/hist/

E o preço do ouro em diferentes moedas, como contrapartida ao entendimento (ou tentativa de entendimento) das variações do dólar.

Fontes:
http://www.gold.org/statistics
http://www.gold.org/download/file/3022/Prices.xlsx
https://br.investing.com/commodities/gold-historical-data?cid=964524

Números tendem a ser menos enviesados que discursos, e assim temos agora um quadro aproximado do que tem acontecido no Brasil nas últimas décadas. Para entender corretamente, ainda precisamos avançar no cenário global, para tentar explicar as flutuações do dólar, dos investimentos, do comércio exterior, do preço das commodities e outras variáveis que afetam diretamente a nossa economia e, consequentemente, os ventos da política. Não tendo formação específica na área, ainda é difícil entender a relação entre todas essas variáveis, mas acho que posso afirmar que já é um começo.

Comentários, sugestões e críticas são muito bem vindas.

quinta-feira, 4 de maio de 2017

O que acontece na economia brasileira?

Para tentar entender o que acontece na economia brasileira, preparei alguns gráficos.









Em 1998 a inflação alcançou um valor negativo. Por isso foi preciso somar 1% para poder logaritmizar o eixo Y. O objetivo aqui é observar a variação ao longo do período, mais que os valores exatos.


Em 2002 o terrorismo psicológico dos grandes veículos de mídia dizia que "o Brasil ia quebrar" se Lula fosse eleito. Isso parece ter elevado o dólar. Lula foi eleito, o país não quebrou, e o dólar voltou aos patamares anteriores. A crise de 2008 também parece ter causado um leve aumento no preço do dólar. Mas o que causou a subida vertiginosa do dólar no final de 2014 e em 2015?


A dívida pública aumentou a partir do final de 2015, mas no início de 2017 havia voltado ao patamar de 2006, ainda muito abaixo do valor total do PIB. Poderia isso ter causado a crise atual? Esses dados, obtidos no site do Banco Central, não incluem valores da Eletrobras nem da Petrobras. Mas os valores relatados para os desvios e dívidas da Petrobras não chegam nem perto de explicar toda a variação observada.










Duas metodologias foram aplicadas em 2002. A linha vermelha se refere à metodologia aplicada nos anos seguintes.

Finalmente, um gráfico unindo todos os gráficos acima: