A crise que estourou
em 2015 no Brasil causou, no ano seguinte, o afastamento da
presidenta Dilma. A grande mídia, de forma simplista (para não
dizer golpista) colocou toda a culpa sobre sua suposta má
administração. Mas o que aconteceu, exatamente? Sabemos que o
desemprego aumentou e que o dólar subiu. Mas o dólar também havia
subido em 2002, quando Lula pela primeira vez apareceu nas pesquisas
com grandes chances de ser eleito presidente, e a grande mídia fazia
o terrorismo psicológico de que, se ele fosse eleito, “o país
iria quebrar”. O dólar então chegou muito perto dos quatro reais
(preço de compra R$3,9544 em 22/out/2002, “coincidentemente”
cinco dias antes do segundo turno das eleições), e não podemos
colocar a culpa “na corrupção do PT”. Em 2015 o dólar voltou à
casa dos quatro reais, e nós, que sabemos o tamanho do viés da
grande mídia nesse tipo de assunto, precisamos então fazer uma
investigação independente, se queremos entender o que aconteceu.
Fonte: http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao
Vemos que, após o
Plano Real (meados de 1994), o valor do dólar foi fixado pelo Banco
Central até o final de 1998, passando no início de 1999 a ser
regulado pelo mercado (o chamado câmbio flutuante).
Além dos picos que já
citamos (2002 e 2015), houve uma leve alta durante a crise financeira
de 2008 e 2009. Mas qual foi
a causa da última alta, que começa a se esboçar já no final de
2014?
Lembro
que, enquanto todos falavam da grande crise financeira internacional
em 2008 e 2009, o então presidente Lula disse que o que chegava aqui
era apenas uma “marolinha”. De fato, com incentivos fiscais para
a venda de eletrodomésticos, e principalmente automóveis, nós
fugimos da crise por um tempo (ao custo de abarrotar nossas ruas de
carros, mas isso é outra história). Finalmente,
a partir do final de 2011, o dólar não parou mais de subir.
Partindo
de cerca de R$1,55 (o mesmo
valor antes da crise de 2008), passou
a marca dos dois reais em 18/mai/2012,
passou os R$2,50 (para venda)
em 23/out/2014 (três dias antes do
segundo turno das eleições
para presidente), e
a partir de então teve uma subida vertiginosa, passando
de três reais em 6/mar/2015,
passando de R$3,50 em
6/ago/2015, e finalmente
ultrapassando os quatro reais em 22/set/2015.
Na época o processo de
impeachment já estava em
andamento, e é preciso perguntar: o dólar subiu como resultado de
más políticas por parte do governo federal, ou subiu como resultado
do (ou mesmo ajuda ao) caos político instaurado então? Ou,
se um pouco de cada, quanto
de cada?
Um
dos fatores que contribui com a variação do dólar é o comércio
exterior. Nossas importações renderam menos que o valor gasto com
as exportações a partir de 2008/2009 (o chamado déficit
comercial), e a diferença se ampliou a partir de 2013.
Fonte: seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=12&op=0&vcodigo=ST59&t=exportacao-bens-servicos-brvalores-correntes
Mas,
quando olhamos o volume das principais exportações (soja, petróleo,
minério de ferro e carne bovina), vemos que não houve alteração,
embora tenha havido uma queda substancial no seu valor
(principalmente de petróleo e minério de ferro).
Fonte: http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/base-de-dados-do-comercio-exterior-brasileiro-arquivos-para-download
Isso
parece ser explicado pela queda repentina e simultânea no preço
dessas commodities, como pode ser visto abaixo.
Fonte: http://databank.worldbank.org/data/reports.aspx?source=global-economic-monitor-(gem)-commodities#
A
variação no preço do petróleo merece uma reflexão à parte, mas
as demais também pedem uma explicação. Terão sido causadas pelo
esfriamento da economia global? Principalmente da economia chinesa?
Ainda não sabemos. Mas podemos olhar o quadro mais de longe.
Fontes:
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360
E o mesmo gráfico, corrigindo o valor do dólar pela inflação.
Fontes:
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360
http://www.usinflationcalculator.com/inflation/consumer-price-index-and-annual-percent-changes-from-1913-to-2008/
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360
E o mesmo gráfico, corrigindo o valor do dólar pela inflação.
Fontes:
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=iron-ore&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=soybeans&months=360
http://www.indexmundi.com/commodities/?commodity=crude-oil-brent&months=360
http://www.usinflationcalculator.com/inflation/consumer-price-index-and-annual-percent-changes-from-1913-to-2008/
Vemos
uma alta no preço da soja e do minério de ferro de 2008 a 2014, que
podem estar relacionados ao aumento da demanda (chinesa,
principalmente?) ou à alta (artificial?) do dólar. A queda
observada parece ter sido, portanto, um retorno à normalidade.
Se
as importações se tornaram mais caras que as exportações, como
evitar a alta do dólar, que passou a sair muito mais do que entrar
no país? Um caminho seria usar as reservas cambiais para abastecer o
mercado, outro é pedir empréstimos, aumentando a dívida pública.
Pelos dados abaixo, parece evidente que o caminho tomado foi o
segundo. A dívida começou a subir num ritmo acelerado no final de
2015, o que coincide com uma baixa, ainda que relativa, no valor do
dólar. Contudo, a mesma estratégia não parece ter sido necessária
em 2002, o que nos leva a perguntar sobre as diferenças entre as
duas ocasiões.
Fonte: https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/DemonstrReservas_M.zip
Fonte: https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/seriehistDLSPBruta2007.asp - https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggp.zip
Aqui
vemos uma relação inversa entre a dívida pública e o PIB:
enquanto a primeira aumentou, o ritmo de crescimento do segundo caiu.
Expressando a dívida como uma fração do PIB, temos o próximo
gráfico.
Fonte: https://www.bcb.gov.br/htms/infecon/seriehistDLSPBruta2007.asp - https://www.bcb.gov.br/ftp/notaecon/Divggp.zip
Embora a dívida pública tenha aumentado, como proporção do PIB, ainda podemos dizer que está em um patamar perfeitamente manejável, se a compararmos com as dívidas de outros países (exs) ou mesmo do Brasil antes e nos primeiros anos do governo Lula. Outra questão que se apresenta é: qual a mudança do PIB no período estudado?
Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.PP.CD
Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.KD.ZG
O PIB diminuiu 3,8% de 2014 para 2015, e outros 3,6% de 2015 para 2016. Essa sequência de duas baixas consecutivas só foi verificada no Brasil nos anos de 1930 e 1931 (logo após a crise de 1929), quando os recuos foram de 2,1% e 3,3%, respectivamente. Interessante notar que a crise de 2008 e 2009, que afeta muitos países ainda em 2017, já foi comparada à crise de 1929, sendo considerada pior em certos aspectos. Conseguimos hoje adiar seus efeitos por mais tempo que no início do século XX?
O PIB diminuiu 3,8% de 2014 para 2015, e outros 3,6% de 2015 para 2016. Essa sequência de duas baixas consecutivas só foi verificada no Brasil nos anos de 1930 e 1931 (logo após a crise de 1929), quando os recuos foram de 2,1% e 3,3%, respectivamente. Interessante notar que a crise de 2008 e 2009, que afeta muitos países ainda em 2017, já foi comparada à crise de 1929, sendo considerada pior em certos aspectos. Conseguimos hoje adiar seus efeitos por mais tempo que no início do século XX?
Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD
Vemos
aqui o PIB de diferentes países como parte do PIB mundial. Os países
são BRA Brasil, CHN China, DEU Alemanha, FRA França, GBR
Grã-Bretanha, JPN Japão e USA Estados Unidos.
Fonte: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD
Aqui
o mesmo gráfico anterior, mas com o PIB per capita em relação ao
PIB per capita mundial.
Vejamos outros indicadores.
Fontes:
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego dez/1991 a dez/2002 - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=FDT10&t=taxa-desemprego-aberto-pessoas-15-anos
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego, 2002/mar a 2016/jan - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=PE63&t=taxa-ocupacao
O desemprego, que havia aumentado de 5-6% para 7-8% (na antiga métrica) em 1998, vinha caindo desde 2004 até 2014 (as cores ilustram diferentes metodologias). Em 2015 deu um salto impressionante (de 4,5% para 8%), e sabemos que em 2016 aumentou ainda mais. Isso está diretamente relacionado com a queda do PIB, principalmente nos setores industrial e de serviços.
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego dez/1991 a dez/2002 - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=FDT10&t=taxa-desemprego-aberto-pessoas-15-anos
IBGE, Pesquisa Mensal de Emprego, 2002/mar a 2016/jan - http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=7&op=0&vcodigo=PE63&t=taxa-ocupacao
O desemprego, que havia aumentado de 5-6% para 7-8% (na antiga métrica) em 1998, vinha caindo desde 2004 até 2014 (as cores ilustram diferentes metodologias). Em 2015 deu um salto impressionante (de 4,5% para 8%), e sabemos que em 2016 aumentou ainda mais. Isso está diretamente relacionado com a queda do PIB, principalmente nos setores industrial e de serviços.
Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
Os dados oficiais oferecem uma decomposição do setor industrial. O valor do PIB foi dividido pelo custo da Cesta Básica, como forma de remover o efeito da inflação.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
Os dados oficiais oferecem uma decomposição do setor industrial. O valor do PIB foi dividido pelo custo da Cesta Básica, como forma de remover o efeito da inflação.
Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
Vemos que a indústria de transformação e extração mineral foram as mais afetadas, seguidas pela construção civil. A tragédia do rompimento da barragem de Bento Gonçalves, perto da cidade de Mariana em Minas Gerais, ocorrida no dia 5/nov/2015, parece explicar apenas uma pequena parte do problema.
Fontes:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/defaulttabelas.shtm - ftp://ftp.ibge.gov.br/Contas_Nacionais/Contas_Nacionais_Trimestrais/Tabelas_Completas/Tab_Compl_CNT.zip
https://www.dieese.org.br/cesta
Na área de serviços, os setores mais afetados foram o comércio, o setor imobiliário, de transportes e outros serviços. Interessante notar que o setor de intermediação financeira e seguros foi o único que cresceu durante a crise, o que leva à óbvia pergunta do seu papel na causa da mesma (principalmente considerando o peso do setor em outras crises pelo mundo, como o caso do Lehman Brothers, entre outros).
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços, Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor. - ftp://ftp.ibge.gov.br/Precos_Indices_de_Precos_ao_Consumidor/IPCA/Serie_Historica/ipca_SerieHist.zip
A
inflação refletiu a crise, ultrapassando os 10% ao ano no final de
2015. Com o prolongamento da recessão, observamos depois a queda da
inflação, num quadro que pode se transformar em deflação, caso a
recessão se prolongue ainda por mais tempo.
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Índices de Preços, Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor. - ftp://ftp.ibge.gov.br/Precos_Indices_de_Precos_ao_Consumidor/IPCA/Serie_Historica/ipca_SerieHist.zip
Analisando mês a mês, vemos que dois picos de inflação, no início e no fim de 2015, causaram o acúmulo observado no final do ano. Esse tipo de oscilação (inflação alta no verão e baixa no inverno) aconteceu durante todo o período analisado (desde 1996), alcançando em 2015 um nível apenas meio ponto percentual acima do que vinha sendo registrado nos últimos anos. Mas uma pequena inflação extra mensal se acumula numa inflação extra perceptível ao final de um ano.
Fonte: https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp
A taxa básica de juros (SELIC), embora não tenha alcançado os valores em vigor antes de 2006, subiram o suficiente para poder responder por parte da crise, bem como pelo vigor do setor financeiro em meio à crise generalizada.
Fonte: http://radames.manosso.nom.br/palavras/politica/o-valor-real-do-salario-minimo-nos-ultimos-vinte-anos/
O salário mínimo (corrigido pelo INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor) mostra um ganho real ao longo de todo o período analisado. Porém sua variação não é a mesma durante cada governo.
R$316,19
em abr/1995 para R$448,37 em mar/2003 = R$132,18 em 96 meses =
R$1,3769/mês (FHC)
R$448,37
em mar/2003 para R$756,08 em fev/2011 = R$307,71 em 96 meses =
R$3,2053/mês (Lula)
R$756,08
em fev/2011 para R$883,70 em dez/2016 = R$127,62 em 71 meses =
R$1,7975/mes (Dilma)
Usamos
como ponto de corte o mínimo valor antes do próximo aumento nominal
do salário mínimo, perto da data de posse de cada presidente.
Intuitivamente, essa medida parece menos sujeita a variações
aleatórias, além de que os primeiros meses de cada mandato parecem
ser muito mais influenciados pela “herança” da gestão anterior
do que pelas ações de cada governo.
Podemos
ainda observar o poder de compra do salário mínimo em relação à
cesta básica.
Fontes:
http://radames.manosso.nom.br/palavras/politica/o-valor-real-do-salario-minimo-nos-ultimos-vinte-anos/
https://www.dieese.org.br/cesta/
No segundo gráfico fica visível o efeito da inflação de 2015/2016 sobre o poder de compra dos salários.
Como começamos com a variação do dólar no Brasil, vou inserir por último um gráfico - bastante confuso - que mostra a variação do dólar em vários países, a partir de 1971. É útil para avaliar variações causadas pelo dólar em si, e não pela política e economia deste ou daquele país.
Fonte: https://www.federalreserve.gov/releases/H10/hist/
E o preço do ouro em diferentes moedas, como contrapartida ao entendimento (ou tentativa de entendimento) das variações do dólar.
Fontes:
http://www.gold.org/statistics
http://www.gold.org/download/file/3022/Prices.xlsx
https://br.investing.com/commodities/gold-historical-data?cid=964524
Números tendem a ser menos enviesados que discursos, e assim temos agora um quadro aproximado do que tem acontecido no Brasil nas últimas décadas. Para entender corretamente, ainda precisamos avançar no cenário global, para tentar explicar as flutuações do dólar, dos investimentos, do comércio exterior, do preço das commodities e outras variáveis que afetam diretamente a nossa economia e, consequentemente, os ventos da política. Não tendo formação específica na área, ainda é difícil entender a relação entre todas essas variáveis, mas acho que posso afirmar que já é um começo.
Comentários, sugestões e críticas são muito bem vindas.
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