quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A importância do rural


Na série de vídeos Zeitgeist, um futuro altamente tecnológico é proposto como parte da solução para nossos problemas atuais. Robôs cuidariam de áreas rurais, e parte dos alimentos poderia ser produzida em tubos com nutrientes artificiais nos edifícios urbanos, entre outros cenários mais ou menos factíveis. Creio, porém, que essa proposta não é nem a mais simples, nem a mais viável no longo prazo.

Em primeiro lugar, evoluímos em contato com a Natureza, e esse contato é parte integrante de nós ainda hoje, sendo uma fonte inata de prazer. Edward Wilson chamou esse sentimento de biofilia, uma apreciação pela Natureza em si, por suas formas, cores, cheiros, sons... Uma evidência disso é que aqueles que têm dinheiro bastante costumam escolher casas com belas áreas verdes para morar. Também costumam ter piscinas em casa, o que corrobora a teoria de que evoluímos passando muito tempo na água (o que explica não só a nossa perda de pêlos, mas também a habilidade dos recém-nascidos de nadarem habilmente, mesmo depois de cortado o cordão umbilical).

Se podemos nos afastar da Natureza e morar “felizes” em amontoados urbanos – sejam favelas ou edifícios com vista para outros edifícios – se nossos instintos são desprezíveis, e a cultura pode ser guiada em qualquer direção, por que observamos comportamento tão previsível entre os que podem pagar? Por que os ricos são tão fieis à biofilia?

Está claro que o contato com a Natureza nos traz prazer. Por que então tanta urbanização?

Embora Adam Smith tenha sido o primeiro grande teórico da economia moderna, ele parece não ter percebido duas coisas importantes. Uma delas foi o papel da propriedade da terra, abordado depois por David Ricardo, o segundo grande teórico da economia moderna. Outra foi a relação entre economia e ecologia – gêmeas siamesas, noção recuperada apenas recentemente, e incorporada em áreas “marginais” da economia moderna, como a Economia Ecológica e a Economia de Estado Estacionário.

Outro fator que parece ter afastado os economistas modernos de importantes noções ambientais foi o medo de outras revoluções socialistas/comunistas. A proposta de Marx para a revolução proletária fazia crer que apenas trabalhadores da indústria – trabalhadores urbanos – teriam condições educacionais para realizá-la. Esse foi o consenso internacional por décadas, até que Mao Zedong fizesse uma revolução na China com apoio da população rural, vitoriosa em 1949. A partir daí os capitalistas, temerosos de perder poder em outras regiões, aceleraram o processo de urbanização, principalmente no Brasil, a próxima potência rural, territorial e populacional do planeta.

Há quem pense que a urbanização é um processo natural. Que o campo, por ser coisa do passado, é necessariamente ruim, e que a tecnologia e os aglomerados urbanos onde reina o individualismo e o anonimato são o que a espécie humana “sempre desejou”. Há duas razões para esse pensamento. Uma é que, numa civilização dominada por dogmas religiosos opressores, o anonimato das grandes cidades é um alívio após milênios de opressão. Outra é a ausência de infraestrutura para o bem-estar no campo, peça chave da estratégia de expulsar o povo da terra, permitindo seu usufruto exclusivo pelos donos do capital.

Mas o que este modelo – êxodo rural, urbanização e latifúndio – tem causado?

Do lado do campo: sem pessoas para cultivar a terra, são necessárias grandes máquinas, que precisam de grandes espaços para dar retorno financeiro. O resultado é a destruição dos biomas nativos que, fossem preservados num mosaico entre os espaços produtivos, garantiriam o controle climático e de pragas, a preservação da biodiversidade e da fertilidade natural do solo, a manutenção das fontes de água e dos lençóis freáticos. Evitaríamos assim o uso excessivo de agrotóxicos, a redução da biodiversidade e agrobiodiversidade (variedades de sementes), a erosão e a desertificação – todos problemas gravíssimos que o modelo atual não consegue resolver.

Do lado da cidade: reduzindo o excesso populacional, reduziríamos as moradias insalubres nas favelas, a desigualdade social, e com ela a violência urbana, o trânsito caótico, estressante e poluidor (um dos maiores causadores do efeito estufa, ao lado do desmatamento e das indústrias indispensáveis ao modo de vida urbano), reduziríamos a incidência de vários tipos de doenças (relacionadas, por exemplo, ao estresse e à poluição do ar) e também a dependência da indústria farmacêutica (a Natureza oferece inúmeros medicamentos naturais), a obesidade e a má alimentação (alimentos industrializados cheios de conservantes, corantes e estabilizantes, além dos mal testados transgênicos e da poluição por agrotóxicos).

A vida no campo pode ser trabalhosa, mas não o é também a vida na cidade? Não gastamos dinheiro para recuperar a saúde em academias, quando poderíamos mantê-la com um trabalho não escravo no campo? (Assim como cachorros correm atrás dos carros para satisfazer seu instinto de perseguir a caça, também nós precisamos nos exercitar para satisfazer um instinto que está profundamente enraizado em nosso DNA.)

Se podemos ter, no campo, um ambiente limpo e agradável, rico em biodiversidade, em alimentos diversos e saudáveis, em fármacos naturais, fibras, óleos, resinas e perfumes, áreas de lazer e comunidades vigorosas, mais o acesso à informação e aos mercados, além da beleza estética oferecida pela Natureza, o que nos impede de alcançar essa sociedade ideal? Apenas os donos do dinheiro que mantêm hoje uma sociedade escravizada aos seus interesses?

Creio que já passou da hora de pensarmos profundamente sobre tudo isso e tomarmos uma atitude.

Um comentário:

  1. Eu sempre pensei dessa forma e meu desejo maior é viver no campo.
    Como tenho mais passado que futuro, essa decisão teria de ser rápida.
    A questão, agora, é convencer minha mulher que se prende a questões familiares para continuar na cidade.

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