Qual a ordem
pretendida na expressão Ordem e Progresso na bandeira
brasileira? Uma ordem harmoniosa, fruto da justiça social? Ou uma
ordem opressora, que varre para baixo do tapete a injustiça social
para criar uma sociedade de fachada?
É curioso que uma
mesma pessoa se diga cristã e defenda a ordem a qualquer preço, no
sentido de manutenção de regras antigas, mesmo que essas não sejam
úteis à sociedade como um todo, mesmo que não saiba sequer
discutir sobre suas vantagens e desvantagens. Aliás, discussão já
virou sinônimo de desordem,
de
briga, para muitos!
Para esses, ordem é ausência
de debate, é um líder forte que manda e uma população recatada
que obedece bovinamente, sem sequer ter elementos para pensar
(pior: sem sequer querer
pensar).
Muitos desses
cristãos querem ordem mesmo que venha de um golpe militar, mesmo que
nos prive da frágil liberdade democrática, mesmo que permita a um
punhado de generais esconder da sociedade as
nossas mazelas (como se isso
pudesse ser escondido), fabricando assim
uma falsa harmonia, uma
falsa ordem.
Parece
que se esquecem que até o seu líder supremo, Jesus Cristo, não foi
favorável à ordem quando se tratava de uma ordem precária e
parcial. Não teve medo de dizer que César não era Deus, mesmo que
isso irritasse a ordem dominante:
Dai pois a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus.
—Marcos 12:17, Mateus 22:21, Lucas 20:25
E sobre espalhar o
dinheiro de comerciantes no chão e virar mesas, chamariam a isso de
ordem? Ou é justamente o tipo de desordem justa, de protesto
e denúncia que são finalmente, e só assim, ouvidos pelos poderosos
(e chamados de vandalismo pela
mídia sempre servil a estes)?
Achou no templo
os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e também os cambistas
sentados; e tendo feito um chicote de cordas, expulsou a todos do
templo, as ovelhas bem como os bois, derramou pelo chão o dinheiro
dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas:
Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de
negócio. —João 2:14-16
E o que dizer deste
trecho tão polêmico, onde Jesus afirma que, para que a verdade seja
finalmente conhecida (e “nos liberte”), pais e filhos deverão se
tornar inimigos? De fato, parece mesmo necessário algum grau de
dissenso quando se busca um consenso, e isso é muito diferente de
calar a boca e obedecer cegamente os mais velhos. Afinal,
ordem exige que nos calemos, exige uma ditadura, ou exige o
eterno contraditório que a presença do outro – e os direitos
do outro – nos impõem?
Não cuideis que
vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu
vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua
mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão
os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é
digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é
digno de mim. —Mateus 10:34-37
Finalmente, para
acabar com alguns mal-entendidos:
É terrível quando cristãos
usam aquela humildade fingida “mas quem sou eu para
julgar?”, como se a solução residisse em entregarmos tudo para o julgamento de juízes
milionários, descolados da realidade, em boa parte corruptos. Como se, negando nosso direito de julgar, não
estivéssemos favorecendo a corrupção e multiplicando a miséria. Não foi isso que Jesus ensinou.
E por que não
julgais também por vós mesmos o que é justo? —Lucas 12:57
Afinal, a cabeça
foi feita para pensar, e não para separar as orelhas, como diz o
ditado.
E para aqueles que
acreditam que um Bolsonaro ou um Feliciano, um Macedo ou um Santiago,
são mesmo seguidores de Cristo, lembrem-se de ler a Bíblia com
atenção, e se não entenderem alguma parte, perguntem!
Assim, pois,
qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser
meu discípulo. —Lucas 14:33
Não sigo a Bíblia
nem sou cristão, pelo contrário, considero o monoteísmo (seja
judaico, cristão ou muçulmano) um grande mal, pela maneira como desdenha o que é diferente, como
aceita em silêncio a
destruição de tudo que é diferente. Ou seja, historicamente o monoteísmo tem eliminado todo tipo de
diversidade, posição incompatível com a democracia. A propósito,
a democracia não foi possível graças ao Cristianismo, como muitos
dizem, muito pelo contrário, ela foi fruto do Iluminismo, um
movimento que usou a razão, a filosofia e a ciência para combater as visões dogmáticas
derivadas da Bíblia. Iluminismo hoje atacado dentro das próprias
universidades pelo chamado “movimento posmoderno” (outra invenção
judaica?), que tem devolvido ao monoteísmo o poder que vinha
perdendo ao longo do século XX, e que tem colocado a própria democracia em
xeque, para alegria daqueles que puxam as cordas por trás das
cortinas.
Coloquei aqui
algumas passagens para mostrar as contradições que tantos cristãos
cometem com frequência. Embora a própria Bíblia sempre dê um
jeitinho em tudo e, por fim, force seus seguidores a perdoarem todos
os corruptos, todos os incoerentes e mentirosos, todos os ladrões do Estado e do
povo, sob a ameaça de punição eterna no inferno:
E perdoa-nos as
nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores
—Mateus 6:12
E perdoa-nos os
nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos deve
—Lucas 11:4
ou como eu aprendi
ainda criança:
Perdoai as nossas
ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
Quem não perdoa a
quem nos ofendeu (políticos e empresários corruptos incluídos)
será perdoado? E o que acontece com quem não é perdoado?
Será que preciso desenhar?
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