É comum vermos
gráficos representando uma só variável, como a preferência do
eleitorado por cada candidato numa eleição.
No gráfico acima,
vemos que o candidato B é o preferido dos eleitores, seguido pelo
candidato C.
Menos comuns são
gráficos que cruzam duas variáveis, mostrando como uma influencia a
outra, ou como as duas são influenciadas ao mesmo tempo por algo
mais.
Por exemplo, a
imagem abaixo mostra como o tamanho de cada ilha afeta o número de
espécies presentes em quatro grupos animais: borboletas, morcegos,
anfíbios+répteis e aves. Cada ponto em cada gráfico representa uma
ilha. (Este estudo foi feito em ilhas do Caribe, a pesquisa original
pode
ser vista aqui.)
Como o tamanho
(área) das ilhas está no eixo X (eixo horizontal), pontos mais à
direita em cada gráfico representam ilhas maiores. Pontos à
esquerda, ilhas menores. Repare que a escala é logarítmica,
ou seja, os números aparecem como 1, 10, 100, 1000... e não como
10, 20, 30, 40... Isso serve para que objetos naturais cuja dimensão
varia muito (como ilhas), não fiquem tão distantes uns dos outros
no gráfico.
Repare também que
os pontos à esquerda geralmente estão abaixo
dos pontos à direita. Como o eixo Y (eixo vertical) representa o
número de espécies em cada ilha, isso significa que as
ilhas (pontos)
mais à esquerda tendem a ter
menos espécies que aquelas
à direita. Ou seja: ilhas maiores abrigam mais espécies, o que é
compreensível. Essa
tendência fica mais clara se adicionarmos uma linha em cada gráfico,
que passe o mais perto possível de todos os pontos daquele
gráfico – a chamada linha
de tendência.
Esse
tipo de gráfico não aparece muito em jornais e revistas populares,
mas são muito comuns quando cientistas tentam explicar
as causas de
fenômenos naturais.
No
gráfico acima, temos
várias estrelas cuja massa e luminosidade puderam
ser medidas.
Cada ponto representa uma
estrela. (O
estudo original pode
ser visto aqui.)
Podemos ver que a
luminosidade tem como causa principal a massa da estrela, ou seja,
estrelas com mais massa
brilham mais. Algo
parecido é visto
quando acendemos
dois palitos de fósforo juntos:
o brilho é maior que o de um único palito. O
Sol (massa e luminosidade = 1) se encontra no cruzamento das duas
linhas cinzas.
Também
podemos ver que a linha de tendência está mais inclinada que nos
gráficos anteriores. Isso significa que um pequeno aumento na massa
causa um aumento bem maior na luminosidade. Uma estrela com o dobro
da massa do Sol brilha cerca de dez vezes mais. Uma estrela com dez
vezes a massa do Sol brilha cerca de 10.000 vezes mais. Quanto
mais inclinada a linha de tendência (quanto mais “aponta para
cima”), maior é o efeito da primeira variável (eixo horizontal)
sobre a segunda (eixo vertical).
Podemos
ver ainda que
os pontos estão mais próximos da linha de tendência, em
comparação
com os
gráficos anteriores. Isso
porque a luminosidade de uma estrela depende
de menos fatores do que os
que regulam o número de espécies numa ilha: é
um fenômeno relativamente simples.
A ecologia de
diferentes espécies animais
envolve uma quantidade enorme
de fatores, e
ainda assim é impressionante
que tendências como as que
vimos sejam
perceptíveis.
Este
tipo de gráfico (chamado
gráfico
de dispersão) tem a
vantagem de nos permitir comparar os resultados de diferentes
pesquisas, para termos uma ideia se dois fenômenos aparentemente
distintos estão ou não relacionados.
Religião
e sexualidade
Vamos
pegar como exemplo um fenômeno complexo, a relação entre
religiosidade e sexualidade.
Para isso, analisemos o caso do
“pai” do computador, Alan Turing, um gênio que inventou uma
máquina para que os aliados pudessem decifrar as mensagens em código
usadas pelos nazistas durante a Segunda
Guerra Mundial. Essa máquina
foi o precursor dos computadores modernos, e Turing conseguiu, com
ela, dar uma grande vantagem aos aliados, reduzindo consideravelmente
o tempo da guerra e salvando milhões
de vidas.
Depois
da guerra, descobriram que ele era homossexual, e ao invés de ser
condecorado como herói, obrigaram-no a tomar hormônios que
reduzissem sua libido “imprópria”, o que culminou no
desenvolvimento de seios femininos em seu corpo. Por fim, ele foi
encontrado morto, envenenado, e ainda hoje é
debatido se foi
assassinato,
acidente ou suicídio
(referências aqui,
aqui e aqui).
A homossexualidade foi
considerada crime na Inglaterra até 1967. Se
isso não bastasse,
nos EUA o mesmo tabu persistiu até 2003, quando a Suprema Corte
finalmente aboliu leis semelhantes, que ainda perduravam em vários
estados.
Surge
então uma pergunta: nos
Estados Unidos, os estados
que em 2003 ainda consideravam o sexo homossexual um crime
o faziam devido ao moralismo
religioso? Não apenas o sexo
homossexual era considerado crime (dentro de casa e com as portas
fechadas), mas também o
sexo oral e anal entre heterossexuais. Esse excesso de pudor foi
causado por um excesso de religiosidade?
Para
tentar responder a essa pergunta, devemos procurar pesquisas sobre
religiosidade em cada estado daquele país, estados para os quais
sabemos o ano em que essas leis foram rejeitadas. Estados com uma
população mais religiosa demoraram mais para abolir essas leis?
Felizmente, esses dados podem
ser encontrados facilmente na Internet. Um
índice com a porcentagem de adultos que são “altamente
religiosos” em cada estado
pode
ser encontrado aqui. O
ano em que cada estado aboliu suas leis contra
o sexo homossexual pode
ser encontrado aqui. Unindo
ambos, temos a tabela abaixo.
Estado
dos EUA
|
Porcentagem de adultos “altamente religiosos”
|
Ano de legalização do sexo homossexual
|
Alabama
|
77
|
2003
|
Alaska
|
45
|
1980
|
Arizona
|
53
|
2001
|
Arkansas
|
70
|
2003
|
California
|
49
|
1976
|
Colorado
|
47
|
1972
|
Connecticut
|
43
|
1971
|
Delaware
|
52
|
1973
|
District of Columbia
|
53
|
1993
|
Florida
|
54
|
2003
|
Georgia
|
66
|
1998
|
Hawaii
|
47
|
1973
|
Idaho
|
51
|
2003
|
Illinois
|
51
|
1962
|
Indiana
|
54
|
1976
|
Iowa
|
55
|
1978
|
Kansas
|
55
|
2003
|
Kentucky
|
63
|
1992
|
Louisiana
|
71
|
2003
|
Maine
|
34
|
1976
|
Maryland
|
54
|
1999
|
Massachusetts
|
33
|
1974
|
Michigan
|
53
|
2003
|
Minnesota
|
49
|
2001
|
Mississippi
|
77
|
2003
|
Missouri
|
60
|
2003
|
Montana
|
48
|
1997
|
Nebraska
|
54
|
1978
|
Nevada
|
49
|
1993
|
New Hampshire
|
33
|
1975
|
New Jersey
|
55
|
1978
|
New Mexico
|
57
|
1975
|
New York
|
46
|
2000
|
North Carolina
|
65
|
2003
|
North Dakota
|
53
|
1973
|
Ohio
|
58
|
1974
|
Oklahoma
|
66
|
2003
|
Oregon
|
48
|
1972
|
Pennsylvania
|
53
|
1980
|
Rhode Island
|
49
|
1998
|
South Carolina
|
70
|
2003
|
South Dakota
|
59
|
1977
|
Tennessee
|
73
|
1996
|
Texas
|
64
|
2003
|
Utah
|
64
|
2003
|
Vermont
|
34
|
1977
|
Virginia
|
61
|
2003
|
Washington
|
45
|
1976
|
West Virginia
|
69
|
1976
|
Wisconsin
|
45
|
1983
|
Wyoming
|
54
|
1977
|
Cruzando
esses dados obtemos o gráfico abaixo.
Percebemos
claramente que a relação entre religião e homofobia é bem mais
complexa que as relações encontradas com frequência na física,
química e astronomia. Seres humanos e suas sociedades são
extremamente complexos. Ainda
assim, a relação encontrada acima, representada pela linha
diagonal, parece indicar que geralmente,
quanto mais religiosa a população de um estado, mais tempo levaram
a reconhecer que homossexuais não são criminosos, afinal.
(Infelizmente, milhões de pessoas sofreram tormentos inimagináveis
até que isso fosse finalmente
reconhecido.)
É
claro que outras variáveis
também influenciaram esse resultado, o que explica a dispersão dos
pontos para longe da linha de tendência. O estado de West Virginia,
por exemplo, representado pelo ponto WV no gráfico, embora tenha 69%
de adultos considerados “altamente religiosos” nessa pesquisa,
legalizou o sexo
entre homossexuais ainda em 1976. O que explica esse afastamento da
tendência? Talvez West Virginia tenha uma população de
homossexuais mais atuante junto ao Legislativo? Talvez algum crime ou
punição bárbara tenha influenciado a opinião pública mais cedo?
Talvez eles não fossem tão religiosos então, e sua religiosidade
aumentou mais tarde, sendo
captada agora que essa
pesquisa foi feita? Podemos levantar várias hipóteses e pesquisar
cada uma. Uma das vantagens de um gráfico como este é que ele nos
sugere novas linhas de investigação.
Outra
coisa importante é que, quando calculamos a linha de tendência (ou
melhor, quando um programa de computador a calcula para nós –
obrigado novamente, Alan Turing!), descobrimos também a chance dessa
tendência ter acontecido simplesmente por acaso. Se jogarmos essa
mesma quantidade de pontos (são 51 estados nos EUA) aleatoriamente
dentro da área do gráfico acima, observaremos resultados variados.
Observamos
que pode existir uma tendência – crescente ou decrescente – sem
que isso signifique uma relação real entre as variáveis: fruto
do mais puro acaso. Porém, a relação observada na linha de
tendência do nosso gráfico real é bem mais pronunciada que as que
vemos acima. De fato, seria preciso criar em média 25.000
gráficos aleatórios até
encontrarmos um único com
a linha de tendência tão inclinada quanto a obtida
com os nossos dados. Isso
significa que existe 1 chance em 25.000
de que os nossos dados sejam puramente casuais, ou seja, que não
exista de fato qualquer relação entre as variáveis analisadas.
A isso os cientistas chamam
um p (de
probabilidade) igual a
0.00004 (ou 4/100.000 =
1/25.000). E é por isso que
se diz que a ciência apenas aumenta a nossa confiança, sem jamais
provar nada – pois o p
nunca chega a zero (o que
seria equivalente à certeza absoluta).
Prova é um conceito
que só existe na matemática, ainda
que tantos gostem de usar
essa palavra para enganar os
desavisados.
Parece certo que a
religião influencia políticas públicas, não sendo portanto um
assunto apenas
individual.