segunda-feira, 12 de março de 2018

Ordem ou Cristianismo?


Qual a ordem pretendida na expressão Ordem e Progresso na bandeira brasileira? Uma ordem harmoniosa, fruto da justiça social? Ou uma ordem opressora, que varre para baixo do tapete a injustiça social para criar uma sociedade de fachada?

É curioso que uma mesma pessoa se diga cristã e defenda a ordem a qualquer preço, no sentido de manutenção de regras antigas, mesmo que essas não sejam úteis à sociedade como um todo, mesmo que não saiba sequer discutir sobre suas vantagens e desvantagens. Aliás, discussão já virou sinônimo de desordem, de briga, para muitos! Para esses, ordem é ausência de debate, é um líder forte que manda e uma população recatada que obedece bovinamente, sem sequer ter elementos para pensar (pior: sem sequer querer pensar). Muitos desses cristãos querem ordem mesmo que venha de um golpe militar, mesmo que nos prive da frágil liberdade democrática, mesmo que permita a um punhado de generais esconder da sociedade as nossas mazelas (como se isso pudesse ser escondido), fabricando assim uma falsa harmonia, uma falsa ordem.

Parece que se esquecem que até o seu líder supremo, Jesus Cristo, não foi favorável à ordem quando se tratava de uma ordem precária e parcial. Não teve medo de dizer que César não era Deus, mesmo que isso irritasse a ordem dominante:

Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. —Marcos 12:17, Mateus 22:21, Lucas 20:25

E sobre espalhar o dinheiro de comerciantes no chão e virar mesas, chamariam a isso de ordem? Ou é justamente o tipo de desordem justa, de protesto e denúncia que são finalmente, e só assim, ouvidos pelos poderosos (e chamados de vandalismo pela mídia sempre servil a estes)?

Achou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e também os cambistas sentados; e tendo feito um chicote de cordas, expulsou a todos do templo, as ovelhas bem como os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai uma casa de negócio. —João 2:14-16

E o que dizer deste trecho tão polêmico, onde Jesus afirma que, para que a verdade seja finalmente conhecida (e “nos liberte”), pais e filhos deverão se tornar inimigos? De fato, parece mesmo necessário algum grau de dissenso quando se busca um consenso, e isso é muito diferente de calar a boca e obedecer cegamente os mais velhos. Afinal, ordem exige que nos calemos, exige uma ditadura, ou exige o eterno contraditório que a presença do outro – e os direitos do outro – nos impõem?

Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; E assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. —Mateus 10:34-37

Finalmente, para acabar com alguns mal-entendidos:

É terrível quando cristãos usam aquela humildade fingida “mas quem sou eu para julgar?”, como se a solução residisse em entregarmos tudo para o julgamento de juízes milionários, descolados da realidade, em boa parte corruptos. Como se, negando nosso direito de julgar, não estivéssemos favorecendo a corrupção e multiplicando a miséria. Não foi isso que Jesus ensinou.

E por que não julgais também por vós mesmos o que é justo? —Lucas 12:57

Afinal, a cabeça foi feita para pensar, e não para separar as orelhas, como diz o ditado.

E para aqueles que acreditam que um Bolsonaro ou um Feliciano, um Macedo ou um Santiago, são mesmo seguidores de Cristo, lembrem-se de ler a Bíblia com atenção, e se não entenderem alguma parte, perguntem!

Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo. —Lucas 14:33

Não sigo a Bíblia nem sou cristão, pelo contrário, considero o monoteísmo (seja judaico, cristão ou muçulmano) um grande mal, pela maneira como desdenha o que é diferente, como aceita em silêncio a destruição de tudo que é diferente. Ou seja, historicamente o monoteísmo tem eliminado todo tipo de diversidade, posição incompatível com a democracia. A propósito, a democracia não foi possível graças ao Cristianismo, como muitos dizem, muito pelo contrário, ela foi fruto do Iluminismo, um movimento que usou a razão, a filosofia e a ciência para combater as visões dogmáticas derivadas da Bíblia. Iluminismo hoje atacado dentro das próprias universidades pelo chamado “movimento posmoderno” (outra invenção judaica?), que tem devolvido ao monoteísmo o poder que vinha perdendo ao longo do século XX, e que tem colocado a própria democracia em xeque, para alegria daqueles que puxam as cordas por trás das cortinas.

Coloquei aqui algumas passagens para mostrar as contradições que tantos cristãos cometem com frequência. Embora a própria Bíblia sempre dê um jeitinho em tudo e, por fim, force seus seguidores a perdoarem todos os corruptos, todos os incoerentes e mentirosos, todos os ladrões do Estado e do povo, sob a ameaça de punição eterna no inferno:

E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores —Mateus 6:12

E perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos a qualquer que nos deve —Lucas 11:4

ou como eu aprendi ainda criança:

Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.

Quem não perdoa a quem nos ofendeu (políticos e empresários corruptos incluídos) será perdoado? E o que acontece com quem não é perdoado? Será que preciso desenhar?

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