segunda-feira, 7 de maio de 2018

O mal fundamental do cristianismo, por um padre


É interessante quando vemos um padre denunciar o mal que o cristianismo causa, ainda que ele mesmo não perceba (talvez) o que está fazendo. Os trechos abaixo, da introdução da tradução de Zhuang Zi pelo padre Thomas Merton, mostram como um “bem” abstrato acaba conduzindo seus seguidores ao fanatismo, acreditando que seguem o bem quando na verdade praticam o mal.

Adaptação da tradução de
A Via de Chuang Tzu – Padre Thomas Merton
Ed. Vozes, Petrópolis, 1984. 4a Edição.

p. 43

Toda vez que uma visão limitada e condicionada do “bem” é erigida ao nível de um absoluto, imediatamente se torna um mal, porque exclui certos elementos complementares exigidos, caso se trate de um bem autêntico. Apegar-se a uma visão parcial, a uma opinião limitada e condicionada, e considerar isso como se fosse a resposta última a todas as perguntas formuladas, é simplesmente “obscurecer o Tao” e fazer com que o indivíduo permaneça irremovivelmente no erro.

pgs. 40-41

A teoria abstrata do “amor universal”, pregada por Mo Zi [e por Cristo], foi verificada com muita agudeza por Zhuang Zi como sendo falsa, por causa da inumanidade de suas consequências. Em tese, Mo Zi [como Cristo] afirmava que todos nós, homens, deveríamos ser amados com igual amor; que o indivíduo deveria encontrar seu maior bem ao amar o bem comum de todos [ou “amar o próximo como a si mesmo”], que o amor universal seria recompensado pela tranquilidade, paz, boa ordem de todos e felicidade individual. Mas esse “amor universal” será encontrado após uma série de pesquisas (como a maioria dos outros projetos utópicos), exigindo tanto da natureza humana que é impossível que ele se torne um fato concreto e, realmente, mesmo que se tornasse, ele aleijaria e deformaria o homem, causando-lhe a ruína e a da sociedade. Não que o amor não seja bom nem natural para o homem, mas porque um sistema erigido sobre um princípio teórico e abstrato do amor ignora certas realidades fundamentais e misteriosas das quais não podemos estar conscientes, e o preço que pagamos por essa nossa ignorância é sinal de que o nosso “amor” é, de fato, um ódio.

Daí se depreende que a sociedade do “amor universal”, planejada por Mo Zi [e por Cristo], era uma sociedade de quarta classe, triste e sombria, pois toda espontaneidade era olhada com suspeita. Os prazeres humanitários e organizados da vida amigável, ritualística, musical, etc., de Confúcio, eram todos banidos por Mo Zi [como o foram tantas vezes por igrejas cristãs, e continuam sendo].

pgs. 31-32

Quanto mais procurarmos o “bem” fora de nós mesmos, como algo a ser adquirido, tanto mais somos forçados à necessidade de discutir, de estudar, de entender, de analisar a natureza do bem. Tanto mais, também, passamos a ser envolvidos em abstrações e na confusão de opiniões divergentes. Quanto mais o “bem” for analisado objetivamente, quanto mais for ele tratado como algo a ser atingido por técnicas virtuosas especiais, tanto menos real se torna. À medida que vai se tornando menos real, regride mais e mais no caminho da abstração, do porvir, da inacessibilidade. Portanto, tanto mais nos concentramos no meio a ser empregado para alcançá-lo. E, à medida que o fim vai se tornando mais remoto e mais dificultoso, torna-se mais rebuscado e complexo, até que, finalmente, o simples estudo do meio se torna tão problemático que todos os esforços devem concentrar-se nesse meio e, então, nos esquecemos do fim. Daí, pois, a nobreza do erudito confuciano [ou cristão] torna-se, na realidade, uma devoção à inutilidade sistemática de praticar meios que não conduzem a nada. Isto nada mais é, de fato, do que o desespero organizado: “o bem” pregado e teorizado pelo moralista torna-se, assim, um mal, e isso levado a um extremo cada vez maior, porque a busca desenfreada do bem desvia-o do bem verdadeiro, que já possuímos dentro de nós mesmos, e que, agora, abandonamos ou ignoramos.