terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Um paralelo entre a “autoridade científica” e o Partido Comunista Chinês

O senso comum ocidental é dominado por uma mídia capitalista. Uma mídia tão maniqueísta quanto a religião que sustenta o capitalismo. Isto é, divide o mundo por uma linha sólida, precisa e inflexível: do lado de cá os “bons”, do lado de lá os “maus”. É assim que a China é apenas “uma ditadura sanguinária”, enquanto os EUA são “os bondosos defensores da liberdade”.

Qualquer ser pensante sabe que a realidade é sempre mais complicada que isso: apresenta nuances, graus, detalhes. Godfree Roberts escreve sobre a democracia na China, mostrando que ela não acontece na eleição dos líderes máximos do Estado pela população como um todo, mas em outros aspectos da vida em sociedade. No modelo ocidental acontece o oposto: a população como um todo escolhe os líderes máximos do Estado, mas não outros aspectos da vida em sociedade (plebiscitos são raros, e não necessariamente respeitados).

Qual modelo funciona melhor? Pela decadência material e espiritual dos EUA e do Ocidente em geral [1] [2] [3] [4], e pela ascenção chinesa em vários aspectos [5] [6] [7] [8], a resposta não parece difícil. Quando a grande mídia é dominada pelo capital, a “opinião pública” se torna refém dos donos do capital. Assim, a grande maioria da população não tem informações suficientes para entender a conjuntura nacional, o que geralmente se traduz na eleição de líderes demagogos, cheios de falsas promessas. Ao mesmo tempo, o povo conhece bem a sua realidade, os problemas do seu próprio cotidiano, do seu bairro, do seu trabalho, do transporte e comércio locais, e assim por diante. Pode, portanto, canalizar esse conhecimento de forma progressiva (assembleias de bairros, municípios, estados, regiões…) até um poder central preparado o bastante para ligar este conhecimento a uma estratégia de ação. Para que funcione, o poder central não pode estar ocupado por populistas carismáticos e eloquentes. Como ensinava Confúcio: “É raro, de fato, que um homem com palavras ardilosas e um rosto bajulador seja benevolente.”

Em resumo: um conselho de pessoas bem instruídas, preparadas para interpretar os anseios populares e transformá-los em políticas públicas, parece ser a forma mais eficaz de governo no mundo atual.

Quando analisamos o conhecimento filosófico-científico, vemos um paralelo. Filósofos e cientistas são pessoas que dedicam suas vidas a entender o mundo onde vivem. Por mais que seu conhecimento não seja perfeito, tendem a acertar mais sobre o assunto a que se dedicam que as pessoas sem contato com aquele tema. Isso não inclui, obviamente, assuntos comuns há milênios entre todos os povos do mundo, como a educação infantil, o trabalho da terra, a prática sexual. Mas inclui a maioria dos assuntos que compõem as sociedades modernas: equipamentos eletrônicos, reatores nucleares, telecomunicações, construção de estradas e ferrovias, motores elétricos, pílulas anticoncepcionais, vacinas.

Outra característica comum ao conhecimento filosófico-científico é sua pluralidade. Apesar das chamadas sensacionalistas comuns na mídia, como “o que a ciência fala sobre X”, a “ciência” não fala nada, quem fala são cientistas. E poucos assuntos em ciência encontram um consenso completo entre cientistas do mundo inteiro. Assim, quem dá voz a alguns cientistas, e não a outros, costumam ser os veículos de mídia, e não a ciência em si.

Onde quero chegar com isso? Nessa visão hoje comum, senão dominante, de que deveríamos “democratizar” completamente a produção de conhecimento, como se a opinião de todas as pessoas, sobre qualquer assunto, devesse ter o mesmo peso. Os cientistas devem, sim, aprender com o povo. A população deve estar ciente, claro, que a ciência também erra. As discussões entre os cientistas devem receber atenção suficiente, e não apenas algumas vozes escolhidas a dedo pelos veículos formadores de opinião. Mas num assunto vitalmente importante, e tecnicamente complexo, como são as vacinas e a vacinação – especialmente durante uma pandemia global – equiparar opiniões de leigos ao “consenso” da maioria da comunidade científica, é como dar ao povo informações enviesadas e esperar que escolham pelo voto os melhores líderes para um país. É colocar no poder um governante “com jeito de povo”, mas alinhado apenas com os interesses dos oligopólios corporativos.

Podemos resumir isso num dito de Zhuangzi: “Se todo mundo fosse seu próprio mestre, quem ficaria sem um mestre?”

domingo, 10 de janeiro de 2021

Nietzsche e a tolice do Ocidente

Nietzsche, Anticristão, 49:

No início da Bíblia está toda a psicologia do padre. — O padre conhece apenas um grande perigo: a ciência — o conceito sadio de causa e efeito. Mas a ciência apenas floresce totalmente sob condições favoráveis — um homem precisa de tempo, precisa possuir um intelecto transbordante para poder “conhecer”… “Logo, é preciso tornar o homem infeliz” — essa foi, em todas as épocas, a lógica do padre. — É fácil ver o que, a partir dessa lógica, surgiu no mundo: — o “pecado”… O conceito de culpa e punição, toda a “ordem moral do mundo” foram direcionados contra a ciência — contra a emancipação do homem do jugo sacerdotal… O homem não deve olhar para seu exterior; deve olhar apenas para o interior. Não deve olhar as coisas com acuidade e prudência, não deve aprender sobre elas; não deve olhar para nada; deve apenas sofrer… E sofrer tanto que sempre esteja precisando de um padre. — Fora os médicos!

Aí o Ocidente leva milênios pra “se livrar” dos padres. Passam nem 100 anos, vem um bando de padre fantasiado de “cientista social” e passa a perna no Ocidente de novo! Pense num Ocidente tolo!