quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O dilema das redes sociais (e da Netflix)

Acabei de assistir O Dilema das Redes (2020), documentário da Netflix que consegui baixar por Torrent. Por que baixei por Torrent ao invés de assistir na Netflix? Fica para outro texto.

O documentário fala da influência das redes sociais sobre nosso comportamento e sobre a polarização política que vem crescendo nos últimos anos. Mostra como os algoritmos (sigilosos) que regulam seu funcionamento são feitos para maximizar nossa atenção e presença online (e, claro, consumo), independente do mal que isso possa causar, especialmente a jovens em desenvolvimento.

É um documentário interessante e bem dinâmico (ou seja, também feito para maximizar nossa atenção e audiência). De fato, os algoritmos das redes sociais têm vários problemas. Causam sim, ou ao menos contribuem para, vários dos problemas citados, como auto-lesões e suicídios de crianças e adolescentes, que têm crescido nos últimos anos, ou a polarização política, onde um lado simplesmente não consegue mais conversar com o lado oposto do espectro político.

O problema do documentário, e da maioria dos produtos da Netflix, é sua superficialidade. Eles criticam a busca irrestrita do lucro pelas tech giants, chegam a falar em regulação estatal, mas se recusam a admitir que se trata de um problema intrínseco do modo de produção capitalista, que não começou ontem a destruir nossos recursos naturais e nossa saúde visando mais e mais lucro.

Não são só as redes sociais que nos prejudicam para lucrar, são também o agronegócio latifundiário, a urbanização irrestrita e sem planejamento, a indústria farmacêutica, a indústria alimentar, o sistema financeiro, e assim por diante. Para sermos honestos, o problema começou quando os primeiros padres, acusando de “pecaminoso” o estilo de vida comunitário dos povos ameríndios, impuseram a destruição de suas malocas. Para os padres, o “correto” eram casinhas separadas, cada uma com pai, mãe e crianças, e isso virou uma regra nefasta, jamais questionada. Mesmo que saibamos que “é preciso uma vila para educar uma criança”. Sofrem pais, sofrem crianças, sofre a sociedade como um todo.

Um dos personagens do filme, um jovem que se vê forçado a ficar uma semana sem celular, fica contando as horas trancado em seu quarto durante a manhã. Onde está sua comunidade? Onde estão seus amigos, seus vizinhos? A cena pode até parecer superficial, mas de fato, nós quase não saímos mais à rua. Quem arruinou nossas comunidades? Mal planejamento urbano, êxodo rural forçado, uma “guerra às drogas” que só aumenta a violência e a corrupção… Mas o filme não toca nesse ponto.

O filme atribui exclusivamente às redes sociais a ignorância moderna: a impossibilidade do urbanoide conectado em saber onde está a verdade, dada a quantidade de informação que recebe, muitas vezes contraditórias, ainda mais vezes alienantes e sensacionalistas. Mas o filme omite que a mentira e o sensacionalismo são a história do Ocidente. Como se não tivéssemos destruído as culturas indígenas para salvar suas almas. Como se não tivéssemos escravizado negros (já que os índios preferiam se matar) com a desculpa de que não tinham alma. Foram séculos de mentiras, muitas delas impostas pelo cristianismo nas cabeças de um povo crédulo e amedrontado. Com o avanço da ciência, essa religião cheia de tabus e superstições perdeu poder, permitindo o avanço dos projetos socialistas, buscando uma sociedade menos excludente. E isso durou um tempo, até que a semente atual de caos, retratada no filme, pudesse germinar. O que o filme novamente omite é que nenhuma semente nasce em qualquer solo. A maioria precisa que o solo seja arado, adubado, ervas daninhas removidas, etc. E as “mãos de agricultor” que permitiram o florescimento do atual estado de hiper-individualismo, fragmentação e extremismo tem nome: pós-modernismo.

Essa “onda pós-moderna” tomou conta das universidades, ensinando que “cada um tem a sua verdade” e que “a mente cria a realidade”, entre outros absurdos. Um movimento que ataca a razão, a lógica e a ciência e promove o individualismo e a fragmentação desde os anos 1960, passando por “progressista” enquanto ia na direção contrária do “trabalhadores do mundo, uni-vos!” de Marx. Pior: uma tamanha farsa intelectual conseguiu enganar boa parte da esquerda, que tem contato com esses textos ainda jovens, antes de terem uma bagagem histórica, sociológica e científica mais sólida. Também pudera, enquanto alguns intelectuais denunciam a farsa, as redes sociais tradicionais que a promovem – editoras, gráficas, revistas acadêmicas, jornais, universidades, estações de rádio e TV – concentram-se cada vez mais nas mãos da chamada judeocracia, a mesma que controla os sistemas financeiro, político e judiciário da maioria dos países. A mesma que, aparentemente, criou de forma calculada os absurdos pós-modernos como forma de combater a razão que permitia o avanço do socialismo pelo mundo. A mesma que controla corporações como as big tech e, claro, a própria Netflix.

Numa certa passagem, parece que a culpa é da internet como um todo, como se a regulação da mesma fosse a solução. E essa tem sido uma ideia, uma sugestão subliminar, cada vez mais comum. Punir e até fechar sites criminosos não bastaria, seria preciso um controle de conteúdo que, obviamente, seria usado pela judeocracia para silenciar os seus críticos.

Ao serem perguntados sobre alternativas às redes sociais dominantes, os entrevistados do filme – vários deles ex-funcionários das mesmas – permanecem em silêncio, ou apontam soluções absurdas como abandonarmos todas as nossas redes sociais. Mas em nenhum momento citam a existência de redes descentralizadas, com algoritmos abertos, como Mastodon, Diaspora, Manyverse e outras.

Tamanhos silêncios no filme não são um “engano”, muito menos “acaso”. É esperado que as críticas do capital ao próprio capital sejam apenas cosméticas, “pra inglês ver”, ou melhor, para ganhar a nossa aprovação e simpatia, enquanto as raízes do problema permanecem devidamente enterradas e vigorosas. E isso a Netflix sabe fazer tão bem quanto as redes que denuncia.

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